quarta-feira, 21 de julho de 2010

A Canção do Leão... Epílogo: A Redenção



A redenção do Leão



Wimoweh tem 65 anos e continua ativa.

Estima-se que foram realizadas 160 gravações das três versões, 10 filmes e uns 20 comerciais.

O que significa tudo isso em direitos autorais e lucros? O que aconteceu com a família de Salomon Linda, que morreu na miséria e foi enterrado numa vala comum sem ver um centavo desses milhões?



Mbube/ Wimoweh gerou US$ 72 milhões em royalties.

Em 1989, a disputa pelos direitos de The Lion sleeps tonight entre a Organização Richmond, editores dos Weavers, e Weiss, o maestro da letra em inglês, entra em tribunal de NY.

O juiz declara a adaptação de Weiss uma composição separada e diferente da de Linda. Como pode?

Enquanto a Organização continua a incluir o Espólio da Família Linda como depositário dos royalties a receber por Mbube e Wimwoeh, ela não tem direitos sobre a adaptação registrada por Weiss. A versão utilizada pela Disney.

Hoje, 42 anos depois da morte do pai e vivendo na pobreza em Sowetto, suas filhas começam a receber um adicional.

Uma centenária lei inglesa de direitos autorais declara que todos os direitos de uma canção revertem para a família do autor 25 anos após sua morte. A Suprema Corte da África do Sul designou um promotor para cuidar do espólio e tentar recuperar esses direitos. A lei também enquadrou a gravadora original, a Gallo, que colocou advogados para cuidar do caso e certificar-se que justiça seja feita no espólio do Leão.

Ninguém tinha obrigação legal nem contrato com o cantor zulu, ninguém nunca se preocupou com Solomon. Para todos os efeitos, era apenas uma canção antiga da África.

E parece que nem Solomon se preocupava com essas coisas.

Mbube tornou-o uma lenda na cultura Zulu e ser uma lenda era um destino glorioso sob alguns aspectos.

Todos acenavam para Linda nas ruas, pagavam-lhe drinks e refeições. Era chamado para apresentações especiais, ganhava o suficiente para comprar ternos e sapatos para trabalhar, casar de novo e comprar uma vitrola para seus compatriotas escutarem seus discos numa cabana de sapé em Msinga.

A maior parte do dinheiro vinha dos desafios, ainda hoje parte da vida urbana. Todo fim de semana, Solly e os rouxinóis alugavam um carro e iam de cidade em cidade, sempre vitoriosos.

Os rivais tentavam de tudo, até poções, para torna suas vozes tão potentes quanto a de Solly. Sem sucesso.

Os Evening Birds subiam no palco e cantavam até o êxtase. A platéia enlouquecia com tamanha energia em festas que varavam a madrugada.

Cego pela adulação que recebia na África, nem se perturbou quando seu Leão chegou as paradas mundiais.

Quando Wimoweh começou a escalada de sucesso, fama e fortuna nos EUA, ainda tirou um sorriso dos lábios de um Solomon doente desde 59, quando desmaiara no palco.

Solly morreu em Outubro de 62.

- Ele ficou feliz, apenas feliz - disse Philda, uma de suas filhas - Nem sabia se devia receber alguma coisa por Mbube.

De sua grande família, restam três filhas, unidas após a morte da mais velha, de Aids em 2002.

Desde que os direitos autorais passaram para a família, um promotor público está processando a Disney, o conglomerado mais ativo no uso da canção.

Dos incalculáveis milhões que lhes são devidos, 15 milhões somente em solo africano, receberam 15 mil dólares até hoje. E um cheque de mil dólares, enviado por Seeger.

Delphi, Elizabeth e Philda ainda vivem numa favela urbana de Soweto.

Demoraram 18 anos para colocar uma lápide na cova comum do pai, que em uma tarde de 1939, foi visitado por anjos em um estúdio de Joanesburgo.



Happy End?



Howie Richmond publicou Stones e Pink Floyd por um tempo. É bilionário.

Peretti, falecido, sempre ganhou uns 10% do que Richmond faturava. Portanto...

Creatore aposentou-se e vive dos royalties de muitos sucessos no seu currículo. Weiss? É um compositor de sucesso no cinema e musicais, vivendo entre as dezenas propriedades que possui pelo mundo.



Repeteco das lendas Robert Johnson, Leadbelly e Willie Dixon (lembra de Whole Lotta Love?) ou apenas um bando de sofisticados predadores do Sistema, brigando pela autoria da musica mais famosa a emergir da África, criação de um zulu ingênuo até a medula?


Links:

http://vintage69.blogspot.com/2006/10/incrvel-e-triste-histria-de-solomon_14.html

versões - covers on u-tube...

http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://i.ytimg.com/vi/09SXTH699xE/0.jpg&imgrefurl=http://www.xbox360videos.com/index.php%3Fkey%3Dwimoweh&usg=__B1Bh5hGBGbvL3P4Mu7aHZfJo9aw=&h=358&w=480&sz=15&hl=pt-BR&start=46&itbs=1&tbnid=qWnACosTqMRLtM:&tbnh=96&tbnw=129&prev=/images%3Fq%3DSolomon%2BLinda%26start%3D40%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN%26gbv%3D2%26ndsp%3D20%26tbs%3Disch:1

time passages of Linda:

http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.pbs.org/independentlens/lionstrail/images/nav_trail.gif&imgrefurl=http://www.pbs.org/independentlens/lionstrail/trail.html&usg=__ypglVYfu95aqpX0w-zBDgWqXjd8=&h=201&w=149&sz=3&hl=pt-BR&start=56&itbs=1&tbnid=_iDqNvfrKmrIlM:&tbnh=104&tbnw=77&prev=/images%3Fq%3DSolomon%2BLinda%26start%3D40%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN%26gbv%3D2%26ndsp%3D20%26tbs%3Disch:1

Download the song (in a 2009 mix-compilation:

http://www.mediafire.com/?1iygyytzfm4

www.last.fm/.../_/Mbube

http://www.amazon.com/Rough-Guide-Music-South-Africa/dp/B000IJ7GNC/ref=sr_1_1?ie=UTF8&s=music&qid=1279763755&sr=1-1

Digite no You Tube: "The Lion Sleeps Tonight", Mbube, Wimwoeh, Weavers, Pete Seeger, The Lion King...


Obrigado, Solomon.

A Canção do Leão... 2ª Parte



2@ Parte: A Incrível e Triste história de Solomon Linda...


Mbombers eram a moda da hora...E o povo adorava.

Se você escuta um original dos Evening Birds, leva um choque com a intensidade vocal, se acha que a capella é só música coral suave e delicada.

O som é tribal, aquela fantástica teia de vozes usadas como instrumento rítmico...

Ao dobrar as vozes graves e injetar mais volume, Solomon criou um estilo novo...Nascia uma estrela!

Ele era o Elvis de seu tempo e espaço.

Era o soprano e líder, cantando num falsetto de arrepiar, a marca registrada da canção do Leão.



Em 1938 os Evening Birds são descobertos e gravam pela primeira vez.

O estúdio é de Eric Gallo, produtor ítalo-americano que começou vendendo discos de hillbilly para a classe trabalhadora. Agora produzia e gravava estilos musicais nos dialetos locais, Africaner, depois Zulu, Xhosa, o que viesse...

Seu sócio Griffith Motsieloa era um gentleman e o primeiro produtor negro da África do Sul. Não entendia o interesse do sócio na cultura musical das favelas, mas fazer o que? Gallo queria vender discos para os negros. Talvez desse certo.

Quando o Afro-hillbilly não pegou, tentou com o Isicathamyia.

Das várias faixas que gravou, a que nos interessa é Mbube, palavra zulu para Leão.

Receberam 10 shillings em dinheiro e Gallo torna-se o dono dos direitos autorais.

São três acordes básicos, sobre algo sem nexo como Leão! Ei! Você é um Leão, inspirado na caça as feras que atacavam seu gado.

Começou no improviso e no 3º. Take, Griffith adicionou piano, banjo e guitarra.

Lá estava a música destinada à glória, com algo cativante na melodia central.

Quase no fim da gravação, Solly respirou profundamente e soltou o falsetto na melodia de 15 notas que o mundo hoje associa às palavras “Na selva, na poderosa selva, o Leão dorme esta noite”.

Motsieloa sacou no ato que Mbube era especial. Enviou a matriz à Londres, que prensou discos de 78 rotações, chegando às lojas no dia que a Polônia foi invadida.

Havia poucas rádios negras em 39 e Mbube foi veiculada de boca a boca pelos ouvintes de estações comunitárias dos subúrbios.

Mbube explode e vende bem durante anos: Foi re-prensada tantas vezes que o master desintegrou!

E assim Solomon Linda torna-se o imbatível campeão de desafios, um herói para os Zulus. Em 1948 já vendera 100.000 cópias! Só em Pretoria, Soweto e Joanesburgo.

Mas O Leão não pertencia mais a Solomon.

Fora capturado pelo civilizado homem branco.



A captura do Leão



Do outro lado do mundo, em Greenwich Village, o cantor e tocador de banjo Pete Seeger estava na pior. Desempregado, vivia num quarto de quinta com mulher e dois filhos.

De família rica de NY, abandonara Harvard e caíra na estrada com seu banjo. Pesquisara o cancioneiro folk e a música de protesto social surgida da Depressão nos campos de trabalho da América.

Em NY, juntou-se a banda de Woodie Gurthrie, a Lenda.

Vestiam-se como os trabalhadores desempregados: camisas básicas de trabalho e jeans surrados. Escreviam canções de protesto, sucesso entre a derrotada classe operária.

No violão de Gurthrie, um slogan gravado: Esta máquina mata fascistas.

No banjo de Pete, a versão soft: Esta maquina cerca o ódio e o força a render-se. Era o protótipo hippie.

Quando Hitler invade a Rússia, começam a escrever canções antinazistas e ganham uma certa fama.

Convocado, Seeger vai tocar seu banjo no front. Dispensado em 45, sai pelas universidades e escolas ensinando música folclórica americana.

Não era o máximo da vida. E o dinheiro pouco. Pra completar, contrai pneumonia. Eis que Alan Lomax, um amigo, bate em sua porta. Lomax e pai já eram famosos por coletar pérolas da musica negra rural

Descobriram Leadbelly e Muddy Waters em suas andanças.

Agora estava na Decca, onde resgatara do lixo um pacote de discos de uma obscura gravadora africana, enviados na esperança de que fossem publicados na América pela gravadora.

Quando escutou os discos, pensou...”Meu Deus! Pete tem que ouvir isso!”.

Um deles era Mbube.

Impressionou-se com o ritmo selvagem e alegre, um falsetto incrível cortando o ar, vozes graves fazendo os baixos...Wow!

Ele podia cantar assim. Caneta e papel na mão, transcreveu tudo.

Não entendia bem as palavras. Cantavam algo como “Uyimbube, Uyimbube”. Parecia com Wimo-weh. E foi o que escreveu.

Começou a ensaiar Wimo-weh, sua canção favorita durante 40 anos, com a nova banda folk, The Weavers.

A canção ilumina seu repertório de velharias, na linha de Greensleves.



Pete estava cansado de viver na dureza.

Queria uma carreira, sucesso, sustentar a família.

Conseguira emprego numa estação de TV, mas fora dispensado antes de começar, dedado como agitador radical...

As coisas iam de mal a pior até conseguirem uns shows no Vanguard Village.

Duzentos dólares por semana, comida e bebida de graça durante duas semanas.

E então, algo inexplicável acontece: multidões lotam os shows, a temporada vai para um mês, depois outro e mais outro...

O sucesso dos Weavers era inexplicável. Canções que estavam ali há décadas, cantadas por negros e imigrantes...mas jamais faziam “aquele” sucesso.

Seis meses depois ainda lotavam o Vanguard. Até a granfinada de Times Square aparecia.

Uma dessas figuras era Gordon Jenkins, músico de jazz, arranjador de Benny Goodman e maestro de Sinatra.

diretor musical da Decca Records.

Adorou o show, que viu várias vezes e resolveu bancar a gravação de um disco.

Gravaram a primeira faixa em 1950, Goodnight Irene, canção de Leadbelly, amigo e mestre de Seeger. Sucesso imediato!

No lado b, Tzena, Tzena, Tzena, canção Israelita adaptada que também emplacou. Como também The Roving Kind, releitura do séc. XIX que chegou a terceiro.

Saíram do circuito alternativo para a baba dos cassinos e clubes da época. Vestiam ternos caros, usavam Brylcream nos cabelos, estavam na TV, rádios, faturando mais de três mil dólares por semana. Para os antigos camaradas de esquerda não passavam de hipócritas sugando a cultura negra...

Sua resposta foi Wimoweh, fiel ao original a não ser pelo dedilhado de Seeger no banjo.

A prova de fogo era o vocal, que ele fazia na perfeição, usando as cordas vocais com tamanho esforço que estava quase mudo aos 75 anos!

Wimoweh era a “quente” do repertório, o que talvez explique a espera de um ano para gravá-la, quando já era sucesso em shows e tv.

Jenkins produziu e incluiu orquestra.

Seu arranjo tipo big band quase apaga o esplendor da canção original. Trombones, trumpetes e cordas afundando a bela canção de Solomon.

Mas Pete entregou-se de tal maneira que Wimoweh pegou de jeito e entrou nas paradas.

Diferente de tudo o que fizeram, a Bilboard adorou, elegendo-a canção da semana. Vai estourar! na capa da Cash Box . Primeira página da Variety: In-crí-vel!

Sucesso, aqui vou eu...Mas os direitos, registrados pelos editores, Richmond & Brackman não incluíam Solomon.



Enlouquecida e paranóica, a América de 52 caçava Comunistas até debaixo da cama. Listas eram publicadas, empregos perdidos, celebridades delatadas e intimadas.

Em Washington, um antigo camarada de Seeger abria o bico no Comitê de Atividades Anti-Americanas.

Trabalhara com ele na organização esquerdista a Canção do Povo, fornecendo cantores para entreter camaradas em manifestações políticas. Estava entregando tudo.

Wimoweh estreava na parada de sucessos e ele contava que os comunistas aproveitavam-se da ingenuidade sexual da juventude americana para recrutá-la para o movimento. E mais: ele conhecia todos os envolvidos! Eram os Weavers, incluindo Pete Seeger!

A imprensa marrom enlouqueceu. Repórteres caem matando na gravadora, fazendo pressão nas TVs, revistas e nos clubes: Vocês estão promovendo comunistas! Isso é antiamericano!



Daí pra frente tudo deu errado. Shows e aparições na tv cancelados, discos banidos, intimações...E Wimoweh vai do sexto lugar para o esquecimento.

Ninguém quer saber dos Weavers, comunistas!

A Decca cai fora e até o fim do ano, Seeger volta ao começo, ensinando música folclórica para crianças a troco de merrecas e morando em espeluncas.



Os Weavers estavam mortos, mas Wimoweh sobrevive.

A música miraculosa de Solomon atraiu cobras do Jazz como Jimmy Dorsey, que fez um cover em 52.

A deusa Yma Sumac provocaria frisson com sua versão cocktail lounge.

Foi incluída num álbum do Kingston Trio que permanece 178 semanas consecutivas no segundo lugar!

Considerando que Thriller de Michael Jackson, o single, ficou 50 semanas entre o primeiro e segundo posto...



Por essa época, o refrão de Wimoweh ecoava nas rádios da América. Qualquer adolescente conhecia os versos, ah-wim-ô-uei, ah-wim-ô-uei...

Mbube, o sucesso adaptado por Seeger nas rádios, pelo qual Linda não recebia direitos autorais.

Na África, ninguém se preocupava em registrar músicas. Você vendia, comia e pagava as suas dívidas e os direitos eram de quem comprava. Ponto final. E se fosse um negro nativo...



Em 61 a canção é re-adaptada por Creatore e Peretti, veteranos do showbiz e por um maestro graduado em Julliard, George D. Weiss (co-autor de Can’t help falling in Love with you, gravada por Elvis).

Mantém o contracanto com a melodia de Solomon assumindo o centro do palco e ganhando letra em inglês: In the jungle, the mighty jungle, The Lion sleeps tonight.

The Lion era remake de Wimoweh que era um remake de Mbube!

Enterrada sobre camadas de estilos pop-rock, era Mbube em nova versão gravada pelos Tokens, como um King Kong escondido dentro de um bloco de gelo cristalino...

Weiss adicionou tambores tribais, cantora de ópera, guitarra, baixo, e uma sinfônica. A RCA editou-a no lado B de uma insossa música chamada Tina, que afundou como prego na água.



Meses depois é resgatada ao acaso por um DJ da WORC, rolando direto na programação.

Estoura de novo e no fim de 61 é a campeã em quatro paradas dos EUA!

Brian Wilson quase bate o carro quando a escuta no rádio.

Arranca um motherfucker dos lábios de Carole King, compositora de sucessos.



Em um mês é 1º lugar na parada inglesa na voz do desconhecido Karl Denver. Em 62 era cabeça de qualquer parada do globo!

Miriam Makeba cantou-a no aniversário de JFK, antes de Marilyn sussurrar ao microfone Happy Birthday, Mr President.

Tocou na plataforma de lançamento da Appolo.

Foi interpretada pelos Springfields, Spinners e Tremeloes. Volta em 73 com

Robert John, o blues man branco.

Retorna às paradas em 82, cover do Tight Fit.

Quem mais? REM, The Nylons, They might be giants, Manu Dibango e até grupo de heavy metal alemão.

Sem contar a trilha sonora de Ace Ventura: Um detetive diferente.

Foi quando a Disney incluiu-a na trilha sonora de O Rei Leão.

Depois que o filme estourou, usou-a nas montagens da Broadway, que deu a volta ao mundo.

Foi lançado em dvd, vídeo e no cd-bônus de cantigas tradicionais que vinha com o vídeo americano, ganhador de um disco de Ouro.

A cena? Explicando o astral Hakuna Matata a Simba, Timon entoa um In the jungle, the might jungle...quando retornam a floresta.

Fim 2ª Parte - A Seguir... A redenção do Leão

A Canção do Leão...Ou a Incrível e Triste história de Solomon Linda e seus desalmados exploradores




No inverno de 2004, li 3 artigos em diferentes midias sobre um fato singular, impressionante e revoltante, as well. Fiquei totalmente possuído pela história real de Solomon Linda, Zulu que compôs uma canção iluminada (que o mundo todo já escutou e conhece muito bem...), enriqueceu o homem branco com dinheiro, fama e gloria e que morreu tão pobre que nem lápide a família pode colocar no túmulo.

Esse texto é uma homenagem a Solomon Linda, o líder do grupo vocal (Doo-Wop style) Evening Bird. Traduzi, poéticamente, todos os textos que tive acesso sobre O Evening Bird da minha canção de infância, aquela sequência mágica de 15 notas.

Li tudo que pude: uma matéria maravilhosa e detalhada de Brian Malan, In The Jungle (Rolling Stone issue 841, May, 2000) que fazia parte da edição citada da RS americana trazendo, ironicamente, Britney Spears ("Wants You!") no auge do recém sucesso de vendas e público, ainda "The Instant Darling of America".

Li outra matéria muito boa online, no site francês rockbo.lautre.net, um numa Esquire americana de 2001 falando sobre a evolução do processo aberto pela família de Solomon para o reembolso dos royalties devidos lá pela casa das centenas de milhões de verdinhas e uma homenagem a Salomon feita pela TimeOut inglêsa pela época do lançamento do mega desenho animado do Rei Leão em DVD, que tem Mbube, a canção do leão, em sua trilha.

Juntei tudo isso, bati no liquidificador e montei essa tradução poética (tanto quanto a do King Edward), num sensibilizado tributo ao cantor e compositor Zulu.

A matéria In the Jungle de Malan, eu li de uma tacada só, estupefato, breathless, com a espoliação descarada do homem branco colonizador sempre chupando seu estoque de raízes e sangue direto do continente africano.

Espero que esse texto sensibilize você tanto quanto se aprofundou em minha alma, mente, espírito e claro, corpo, a voz, o instrumento de Linda.

Publico aqui aqui uma pequena introdução, acrescentando uma frase de abertura dita pela Björk, por ocasião do lançamento de seu albúm a capella, Medúllah, naquele ano de 2004.

O texto integral fez parte de minha coluna A Arca do Velho (Histórias do Arco da Velha), na MTV On Line e da primeira edição da revista MTV online, naquele mesmo ano. Ficou no ar por 3 meses on line e sumiu numa das várias mudanças de cara do site da MTV. O resto do texto, publico aqui. Na sequência.

Obrigado, Salomon Linda.


“E se nos desfizéssemos da civilização, da religião, do patriotismo, daquilo que deu errado? Ia chamar o álbum de Tinta, pois queria que fosse como o sangue negro, 5000 anos atrás, que existe dentro de nós... um espírito cheio de paixão e que ainda sobrevive.
Mas escolhi Medúllah, em latim. Não apenas a medula de algo, como dos ossos, do cabelo. Mas obter a essência de alguma coisa.”.


(Bjork, sobre a inspiração de seu cd a cappela, Medúlla, no jornal Independent em 2004, transcrito pela Folha de SP).


A Canção do Leão...Ou a Incrível e Triste história de Solomon Linda e seus desalmados exploradores...

Em 1939 um milagre acontece para um Zulu chamado Solomon Linda, na frente de um microfone no único estúdio de gravação da África.
Abriu a boca e de sua alma brota uma música mágica, escala perfeita de quinze notas que entram pelo microfone nos sulcos de um disco de 78 rotações. A música fez um sucesso danado no continente africano, decola em Londres, segue para a América e se imortaliza: permanece 65 anos nas paradas mundiais, voltando a cada década sob diferentes nomes, formas e disfarces.
O título original no rótulo do disco era Mbube, interpretado por Solomon Linda e os Evening Birds.

Artistas tão diversos como Phish, REM, Glen Campbell, Chet Atkins, Brian Eno, The Nylons e até o maestro brega Bert Kaempfert, a gravaram.
Navajos cantaram-na em celebrações.
Foi hino da equipe inglesa de futebol na abertura da Copa de 86, uma piada!
Hollywood colocou-a nas telas, além de ser até hoje o sucesso mais executado continuamente nas rádios americanas, o airplay.
A composição mais famosa a vir da África penetrou tanto no inconsciente coletivo de tantas gerações, que se pode dizer que é uma canção que o mundo inteiro conhece.
De um jeito ou de outro.

Estava na praia, tomando um mate gelado com limão, sol a quarenta graus e essa música tocando no rádio Zenith da esteira ao lado. Eu tinha sete anos e estava no Posto 6, Copacabana, RJ.

Sua saga multicultural é um compacto da História da Música popular, que entra anêmica no séc. XX e se recupera com transfusões de ragtime, jazz, blues e soul vindo das artérias Africanas.
Na natureza dessa transação, o fato histórico: A África sempre deu mais do que recebeu e acabou na miséria.
Com um artista negro não seria diferente.
Essa história é uma homenagem a Solomon Linda, Zulu que compôs uma canção iluminada, enriqueceu o homem branco com dinheiro e fama e morreu tão pobre, que nem lápide a família pode colocar no túmulo.

Tudo começa com a amizade entre um aristocrata britânico e um cantor afro americano famoso.
Sir Henry B. Lock, da cúpula Colonial Inglesa era amigo de Orpheus McAdoo, do lendário grupo vocal de spirituals, os Virginia Jubilee Singers, desde 1880.
Indicado governador da Cidade do Cabo, nem pisca ao convidar Orpheus e os Jubilee Singers para vir Àfrica, onde cantam para multidões de nativos boquiabertos em cidades e vilinhas de mineração.
Os Spirituals enfeitiçam os nativos, acostumados aos horríveis hinos dos missionários cristãos.
McAdoo era seguidor do gospel, mas havia uma subversão rítmica nas interpretações, prenúncios de funk e soul.


Durante quatro anos, excursionam pelos mais remotos pontos da Àfrica.
Num deles, uma escola no centro de um vale chamado Msinga, vivia Solomon, um garotinho nascido em 1909.
Fascinado com os Jubilees, incorpora seu canto às músicas Zulu que cantava com os amigos em festas.
No começo de 1930, vão a Joanesburgo tentar a sorte.
Moram nas favelas e trabalham como mão de obra barata nas fabricas.
Perplexo com a cidade, o esperto Solly transforma o cotidiano em canções a capella sobre o trabalho, amor e crimes. Sobre como os bancos te roubam, trocando papéis por dinheiro vivo, como a polícia trata mal o Negro...
O povo começa a gostar da música do grupo, que em dois anos é a atração mais quente da cidade. Adotam o terno de três peças, chapéu e sapato bicolor...Chiquérrimo.
Tornam-se Solomon Linda e os Pássaros do Entardecer, pioneiros do gênero Isicathamyia, vocalizações cheias de harmonias e energia, as vozes graves contrapondo as agudas.
A música dos Zulus é marcada por poderosas batidas rítmicas dos pés no chão, que em conjunto fazem a terra tremer. Literalmente.
Essa dança devia ser controlada, mais suave...No sapatinho.
Quem viu o grupo vocal Ladysmith Black Mambazo, intérpretes consagrados do gênero e em especial, de Mbube, lembra dos movimentos insinuantes, da dança dos pés sincronizados.
Existiam legiões desses grupos entre os migrantes, que no fim de semana iam as Tea Parties, encontros regados à cerveja, misto de show e desafio entre corais.
O prêmio em geral era uma vaca ou outro animal.
Eram os Crocodilos, Rapazes Travessos ou Águas ferventes e quando estoura a segunda guerra, denominam-se Mbombers, como os bombardeiros Stukas dos noticiários no cinema.

(Fim Parte 1)



Fontes:

http://www.youtube.com/watch?v=TWdtgwBZ0BM - sobre o Doo Wop.

http://rocbo.lautre.net/spip/article.php3?id_article=213


Esquire, Rolling Stone e Time Out, Verão de 2000

A Lion's Tale , documentário produzido pela South African Broadcasting Company.
www.bizcommunity.com/Article/196/66/1805.html

Where Have All the Flowers Gone (Para onde foram todas as Flores?)
Biografia de Peter Seeger (Sing Out!Publications, 1993, USA)

Escute a original na www.amazon,com
CD: Mbube Roots (Zulu Choral Music from South Africa, 1930's-1960's)
Various Artists - International - Africa









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