quarta-feira, 21 de julho de 2010

A Canção do Leão...Ou a Incrível e Triste história de Solomon Linda e seus desalmados exploradores




No inverno de 2004, li 3 artigos em diferentes midias sobre um fato singular, impressionante e revoltante, as well. Fiquei totalmente possuído pela história real de Solomon Linda, Zulu que compôs uma canção iluminada (que o mundo todo já escutou e conhece muito bem...), enriqueceu o homem branco com dinheiro, fama e gloria e que morreu tão pobre que nem lápide a família pode colocar no túmulo.

Esse texto é uma homenagem a Solomon Linda, o líder do grupo vocal (Doo-Wop style) Evening Bird. Traduzi, poéticamente, todos os textos que tive acesso sobre O Evening Bird da minha canção de infância, aquela sequência mágica de 15 notas.

Li tudo que pude: uma matéria maravilhosa e detalhada de Brian Malan, In The Jungle (Rolling Stone issue 841, May, 2000) que fazia parte da edição citada da RS americana trazendo, ironicamente, Britney Spears ("Wants You!") no auge do recém sucesso de vendas e público, ainda "The Instant Darling of America".

Li outra matéria muito boa online, no site francês rockbo.lautre.net, um numa Esquire americana de 2001 falando sobre a evolução do processo aberto pela família de Solomon para o reembolso dos royalties devidos lá pela casa das centenas de milhões de verdinhas e uma homenagem a Salomon feita pela TimeOut inglêsa pela época do lançamento do mega desenho animado do Rei Leão em DVD, que tem Mbube, a canção do leão, em sua trilha.

Juntei tudo isso, bati no liquidificador e montei essa tradução poética (tanto quanto a do King Edward), num sensibilizado tributo ao cantor e compositor Zulu.

A matéria In the Jungle de Malan, eu li de uma tacada só, estupefato, breathless, com a espoliação descarada do homem branco colonizador sempre chupando seu estoque de raízes e sangue direto do continente africano.

Espero que esse texto sensibilize você tanto quanto se aprofundou em minha alma, mente, espírito e claro, corpo, a voz, o instrumento de Linda.

Publico aqui aqui uma pequena introdução, acrescentando uma frase de abertura dita pela Björk, por ocasião do lançamento de seu albúm a capella, Medúllah, naquele ano de 2004.

O texto integral fez parte de minha coluna A Arca do Velho (Histórias do Arco da Velha), na MTV On Line e da primeira edição da revista MTV online, naquele mesmo ano. Ficou no ar por 3 meses on line e sumiu numa das várias mudanças de cara do site da MTV. O resto do texto, publico aqui. Na sequência.

Obrigado, Salomon Linda.


“E se nos desfizéssemos da civilização, da religião, do patriotismo, daquilo que deu errado? Ia chamar o álbum de Tinta, pois queria que fosse como o sangue negro, 5000 anos atrás, que existe dentro de nós... um espírito cheio de paixão e que ainda sobrevive.
Mas escolhi Medúllah, em latim. Não apenas a medula de algo, como dos ossos, do cabelo. Mas obter a essência de alguma coisa.”.


(Bjork, sobre a inspiração de seu cd a cappela, Medúlla, no jornal Independent em 2004, transcrito pela Folha de SP).


A Canção do Leão...Ou a Incrível e Triste história de Solomon Linda e seus desalmados exploradores...

Em 1939 um milagre acontece para um Zulu chamado Solomon Linda, na frente de um microfone no único estúdio de gravação da África.
Abriu a boca e de sua alma brota uma música mágica, escala perfeita de quinze notas que entram pelo microfone nos sulcos de um disco de 78 rotações. A música fez um sucesso danado no continente africano, decola em Londres, segue para a América e se imortaliza: permanece 65 anos nas paradas mundiais, voltando a cada década sob diferentes nomes, formas e disfarces.
O título original no rótulo do disco era Mbube, interpretado por Solomon Linda e os Evening Birds.

Artistas tão diversos como Phish, REM, Glen Campbell, Chet Atkins, Brian Eno, The Nylons e até o maestro brega Bert Kaempfert, a gravaram.
Navajos cantaram-na em celebrações.
Foi hino da equipe inglesa de futebol na abertura da Copa de 86, uma piada!
Hollywood colocou-a nas telas, além de ser até hoje o sucesso mais executado continuamente nas rádios americanas, o airplay.
A composição mais famosa a vir da África penetrou tanto no inconsciente coletivo de tantas gerações, que se pode dizer que é uma canção que o mundo inteiro conhece.
De um jeito ou de outro.

Estava na praia, tomando um mate gelado com limão, sol a quarenta graus e essa música tocando no rádio Zenith da esteira ao lado. Eu tinha sete anos e estava no Posto 6, Copacabana, RJ.

Sua saga multicultural é um compacto da História da Música popular, que entra anêmica no séc. XX e se recupera com transfusões de ragtime, jazz, blues e soul vindo das artérias Africanas.
Na natureza dessa transação, o fato histórico: A África sempre deu mais do que recebeu e acabou na miséria.
Com um artista negro não seria diferente.
Essa história é uma homenagem a Solomon Linda, Zulu que compôs uma canção iluminada, enriqueceu o homem branco com dinheiro e fama e morreu tão pobre, que nem lápide a família pode colocar no túmulo.

Tudo começa com a amizade entre um aristocrata britânico e um cantor afro americano famoso.
Sir Henry B. Lock, da cúpula Colonial Inglesa era amigo de Orpheus McAdoo, do lendário grupo vocal de spirituals, os Virginia Jubilee Singers, desde 1880.
Indicado governador da Cidade do Cabo, nem pisca ao convidar Orpheus e os Jubilee Singers para vir Àfrica, onde cantam para multidões de nativos boquiabertos em cidades e vilinhas de mineração.
Os Spirituals enfeitiçam os nativos, acostumados aos horríveis hinos dos missionários cristãos.
McAdoo era seguidor do gospel, mas havia uma subversão rítmica nas interpretações, prenúncios de funk e soul.


Durante quatro anos, excursionam pelos mais remotos pontos da Àfrica.
Num deles, uma escola no centro de um vale chamado Msinga, vivia Solomon, um garotinho nascido em 1909.
Fascinado com os Jubilees, incorpora seu canto às músicas Zulu que cantava com os amigos em festas.
No começo de 1930, vão a Joanesburgo tentar a sorte.
Moram nas favelas e trabalham como mão de obra barata nas fabricas.
Perplexo com a cidade, o esperto Solly transforma o cotidiano em canções a capella sobre o trabalho, amor e crimes. Sobre como os bancos te roubam, trocando papéis por dinheiro vivo, como a polícia trata mal o Negro...
O povo começa a gostar da música do grupo, que em dois anos é a atração mais quente da cidade. Adotam o terno de três peças, chapéu e sapato bicolor...Chiquérrimo.
Tornam-se Solomon Linda e os Pássaros do Entardecer, pioneiros do gênero Isicathamyia, vocalizações cheias de harmonias e energia, as vozes graves contrapondo as agudas.
A música dos Zulus é marcada por poderosas batidas rítmicas dos pés no chão, que em conjunto fazem a terra tremer. Literalmente.
Essa dança devia ser controlada, mais suave...No sapatinho.
Quem viu o grupo vocal Ladysmith Black Mambazo, intérpretes consagrados do gênero e em especial, de Mbube, lembra dos movimentos insinuantes, da dança dos pés sincronizados.
Existiam legiões desses grupos entre os migrantes, que no fim de semana iam as Tea Parties, encontros regados à cerveja, misto de show e desafio entre corais.
O prêmio em geral era uma vaca ou outro animal.
Eram os Crocodilos, Rapazes Travessos ou Águas ferventes e quando estoura a segunda guerra, denominam-se Mbombers, como os bombardeiros Stukas dos noticiários no cinema.

(Fim Parte 1)



Fontes:

http://www.youtube.com/watch?v=TWdtgwBZ0BM - sobre o Doo Wop.

http://rocbo.lautre.net/spip/article.php3?id_article=213


Esquire, Rolling Stone e Time Out, Verão de 2000

A Lion's Tale , documentário produzido pela South African Broadcasting Company.
www.bizcommunity.com/Article/196/66/1805.html

Where Have All the Flowers Gone (Para onde foram todas as Flores?)
Biografia de Peter Seeger (Sing Out!Publications, 1993, USA)

Escute a original na www.amazon,com
CD: Mbube Roots (Zulu Choral Music from South Africa, 1930's-1960's)
Various Artists - International - Africa









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Um comentário:

  1. Solomon Linda é mais um, mais do que roubado pelo branco,que continua na Africa sim ,pois só permitiu que os negros subissem ao poder,se as minas de ouro e diamante continuassem nas mãos dos que sempre mandaram!!não vou me envenenar logo cedo!!lembro de Bola de Nieve que tambem por ter ficado por Cuba ,é mais um da legião dos esquecidos,e segue o baile,aqui mesmo é assim,vai ali em Santa Catarina,no interior pra ver como funciona o jeitinho estupido de ser dos descendentes germanicos,mas fiquei curioso e quero saber da segunda parte,Solomon Linda ,uma grande lembrança...

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