quarta-feira, 21 de julho de 2010

A Canção do Leão... 2ª Parte



2@ Parte: A Incrível e Triste história de Solomon Linda...


Mbombers eram a moda da hora...E o povo adorava.

Se você escuta um original dos Evening Birds, leva um choque com a intensidade vocal, se acha que a capella é só música coral suave e delicada.

O som é tribal, aquela fantástica teia de vozes usadas como instrumento rítmico...

Ao dobrar as vozes graves e injetar mais volume, Solomon criou um estilo novo...Nascia uma estrela!

Ele era o Elvis de seu tempo e espaço.

Era o soprano e líder, cantando num falsetto de arrepiar, a marca registrada da canção do Leão.



Em 1938 os Evening Birds são descobertos e gravam pela primeira vez.

O estúdio é de Eric Gallo, produtor ítalo-americano que começou vendendo discos de hillbilly para a classe trabalhadora. Agora produzia e gravava estilos musicais nos dialetos locais, Africaner, depois Zulu, Xhosa, o que viesse...

Seu sócio Griffith Motsieloa era um gentleman e o primeiro produtor negro da África do Sul. Não entendia o interesse do sócio na cultura musical das favelas, mas fazer o que? Gallo queria vender discos para os negros. Talvez desse certo.

Quando o Afro-hillbilly não pegou, tentou com o Isicathamyia.

Das várias faixas que gravou, a que nos interessa é Mbube, palavra zulu para Leão.

Receberam 10 shillings em dinheiro e Gallo torna-se o dono dos direitos autorais.

São três acordes básicos, sobre algo sem nexo como Leão! Ei! Você é um Leão, inspirado na caça as feras que atacavam seu gado.

Começou no improviso e no 3º. Take, Griffith adicionou piano, banjo e guitarra.

Lá estava a música destinada à glória, com algo cativante na melodia central.

Quase no fim da gravação, Solly respirou profundamente e soltou o falsetto na melodia de 15 notas que o mundo hoje associa às palavras “Na selva, na poderosa selva, o Leão dorme esta noite”.

Motsieloa sacou no ato que Mbube era especial. Enviou a matriz à Londres, que prensou discos de 78 rotações, chegando às lojas no dia que a Polônia foi invadida.

Havia poucas rádios negras em 39 e Mbube foi veiculada de boca a boca pelos ouvintes de estações comunitárias dos subúrbios.

Mbube explode e vende bem durante anos: Foi re-prensada tantas vezes que o master desintegrou!

E assim Solomon Linda torna-se o imbatível campeão de desafios, um herói para os Zulus. Em 1948 já vendera 100.000 cópias! Só em Pretoria, Soweto e Joanesburgo.

Mas O Leão não pertencia mais a Solomon.

Fora capturado pelo civilizado homem branco.



A captura do Leão



Do outro lado do mundo, em Greenwich Village, o cantor e tocador de banjo Pete Seeger estava na pior. Desempregado, vivia num quarto de quinta com mulher e dois filhos.

De família rica de NY, abandonara Harvard e caíra na estrada com seu banjo. Pesquisara o cancioneiro folk e a música de protesto social surgida da Depressão nos campos de trabalho da América.

Em NY, juntou-se a banda de Woodie Gurthrie, a Lenda.

Vestiam-se como os trabalhadores desempregados: camisas básicas de trabalho e jeans surrados. Escreviam canções de protesto, sucesso entre a derrotada classe operária.

No violão de Gurthrie, um slogan gravado: Esta máquina mata fascistas.

No banjo de Pete, a versão soft: Esta maquina cerca o ódio e o força a render-se. Era o protótipo hippie.

Quando Hitler invade a Rússia, começam a escrever canções antinazistas e ganham uma certa fama.

Convocado, Seeger vai tocar seu banjo no front. Dispensado em 45, sai pelas universidades e escolas ensinando música folclórica americana.

Não era o máximo da vida. E o dinheiro pouco. Pra completar, contrai pneumonia. Eis que Alan Lomax, um amigo, bate em sua porta. Lomax e pai já eram famosos por coletar pérolas da musica negra rural

Descobriram Leadbelly e Muddy Waters em suas andanças.

Agora estava na Decca, onde resgatara do lixo um pacote de discos de uma obscura gravadora africana, enviados na esperança de que fossem publicados na América pela gravadora.

Quando escutou os discos, pensou...”Meu Deus! Pete tem que ouvir isso!”.

Um deles era Mbube.

Impressionou-se com o ritmo selvagem e alegre, um falsetto incrível cortando o ar, vozes graves fazendo os baixos...Wow!

Ele podia cantar assim. Caneta e papel na mão, transcreveu tudo.

Não entendia bem as palavras. Cantavam algo como “Uyimbube, Uyimbube”. Parecia com Wimo-weh. E foi o que escreveu.

Começou a ensaiar Wimo-weh, sua canção favorita durante 40 anos, com a nova banda folk, The Weavers.

A canção ilumina seu repertório de velharias, na linha de Greensleves.



Pete estava cansado de viver na dureza.

Queria uma carreira, sucesso, sustentar a família.

Conseguira emprego numa estação de TV, mas fora dispensado antes de começar, dedado como agitador radical...

As coisas iam de mal a pior até conseguirem uns shows no Vanguard Village.

Duzentos dólares por semana, comida e bebida de graça durante duas semanas.

E então, algo inexplicável acontece: multidões lotam os shows, a temporada vai para um mês, depois outro e mais outro...

O sucesso dos Weavers era inexplicável. Canções que estavam ali há décadas, cantadas por negros e imigrantes...mas jamais faziam “aquele” sucesso.

Seis meses depois ainda lotavam o Vanguard. Até a granfinada de Times Square aparecia.

Uma dessas figuras era Gordon Jenkins, músico de jazz, arranjador de Benny Goodman e maestro de Sinatra.

diretor musical da Decca Records.

Adorou o show, que viu várias vezes e resolveu bancar a gravação de um disco.

Gravaram a primeira faixa em 1950, Goodnight Irene, canção de Leadbelly, amigo e mestre de Seeger. Sucesso imediato!

No lado b, Tzena, Tzena, Tzena, canção Israelita adaptada que também emplacou. Como também The Roving Kind, releitura do séc. XIX que chegou a terceiro.

Saíram do circuito alternativo para a baba dos cassinos e clubes da época. Vestiam ternos caros, usavam Brylcream nos cabelos, estavam na TV, rádios, faturando mais de três mil dólares por semana. Para os antigos camaradas de esquerda não passavam de hipócritas sugando a cultura negra...

Sua resposta foi Wimoweh, fiel ao original a não ser pelo dedilhado de Seeger no banjo.

A prova de fogo era o vocal, que ele fazia na perfeição, usando as cordas vocais com tamanho esforço que estava quase mudo aos 75 anos!

Wimoweh era a “quente” do repertório, o que talvez explique a espera de um ano para gravá-la, quando já era sucesso em shows e tv.

Jenkins produziu e incluiu orquestra.

Seu arranjo tipo big band quase apaga o esplendor da canção original. Trombones, trumpetes e cordas afundando a bela canção de Solomon.

Mas Pete entregou-se de tal maneira que Wimoweh pegou de jeito e entrou nas paradas.

Diferente de tudo o que fizeram, a Bilboard adorou, elegendo-a canção da semana. Vai estourar! na capa da Cash Box . Primeira página da Variety: In-crí-vel!

Sucesso, aqui vou eu...Mas os direitos, registrados pelos editores, Richmond & Brackman não incluíam Solomon.



Enlouquecida e paranóica, a América de 52 caçava Comunistas até debaixo da cama. Listas eram publicadas, empregos perdidos, celebridades delatadas e intimadas.

Em Washington, um antigo camarada de Seeger abria o bico no Comitê de Atividades Anti-Americanas.

Trabalhara com ele na organização esquerdista a Canção do Povo, fornecendo cantores para entreter camaradas em manifestações políticas. Estava entregando tudo.

Wimoweh estreava na parada de sucessos e ele contava que os comunistas aproveitavam-se da ingenuidade sexual da juventude americana para recrutá-la para o movimento. E mais: ele conhecia todos os envolvidos! Eram os Weavers, incluindo Pete Seeger!

A imprensa marrom enlouqueceu. Repórteres caem matando na gravadora, fazendo pressão nas TVs, revistas e nos clubes: Vocês estão promovendo comunistas! Isso é antiamericano!



Daí pra frente tudo deu errado. Shows e aparições na tv cancelados, discos banidos, intimações...E Wimoweh vai do sexto lugar para o esquecimento.

Ninguém quer saber dos Weavers, comunistas!

A Decca cai fora e até o fim do ano, Seeger volta ao começo, ensinando música folclórica para crianças a troco de merrecas e morando em espeluncas.



Os Weavers estavam mortos, mas Wimoweh sobrevive.

A música miraculosa de Solomon atraiu cobras do Jazz como Jimmy Dorsey, que fez um cover em 52.

A deusa Yma Sumac provocaria frisson com sua versão cocktail lounge.

Foi incluída num álbum do Kingston Trio que permanece 178 semanas consecutivas no segundo lugar!

Considerando que Thriller de Michael Jackson, o single, ficou 50 semanas entre o primeiro e segundo posto...



Por essa época, o refrão de Wimoweh ecoava nas rádios da América. Qualquer adolescente conhecia os versos, ah-wim-ô-uei, ah-wim-ô-uei...

Mbube, o sucesso adaptado por Seeger nas rádios, pelo qual Linda não recebia direitos autorais.

Na África, ninguém se preocupava em registrar músicas. Você vendia, comia e pagava as suas dívidas e os direitos eram de quem comprava. Ponto final. E se fosse um negro nativo...



Em 61 a canção é re-adaptada por Creatore e Peretti, veteranos do showbiz e por um maestro graduado em Julliard, George D. Weiss (co-autor de Can’t help falling in Love with you, gravada por Elvis).

Mantém o contracanto com a melodia de Solomon assumindo o centro do palco e ganhando letra em inglês: In the jungle, the mighty jungle, The Lion sleeps tonight.

The Lion era remake de Wimoweh que era um remake de Mbube!

Enterrada sobre camadas de estilos pop-rock, era Mbube em nova versão gravada pelos Tokens, como um King Kong escondido dentro de um bloco de gelo cristalino...

Weiss adicionou tambores tribais, cantora de ópera, guitarra, baixo, e uma sinfônica. A RCA editou-a no lado B de uma insossa música chamada Tina, que afundou como prego na água.



Meses depois é resgatada ao acaso por um DJ da WORC, rolando direto na programação.

Estoura de novo e no fim de 61 é a campeã em quatro paradas dos EUA!

Brian Wilson quase bate o carro quando a escuta no rádio.

Arranca um motherfucker dos lábios de Carole King, compositora de sucessos.



Em um mês é 1º lugar na parada inglesa na voz do desconhecido Karl Denver. Em 62 era cabeça de qualquer parada do globo!

Miriam Makeba cantou-a no aniversário de JFK, antes de Marilyn sussurrar ao microfone Happy Birthday, Mr President.

Tocou na plataforma de lançamento da Appolo.

Foi interpretada pelos Springfields, Spinners e Tremeloes. Volta em 73 com

Robert John, o blues man branco.

Retorna às paradas em 82, cover do Tight Fit.

Quem mais? REM, The Nylons, They might be giants, Manu Dibango e até grupo de heavy metal alemão.

Sem contar a trilha sonora de Ace Ventura: Um detetive diferente.

Foi quando a Disney incluiu-a na trilha sonora de O Rei Leão.

Depois que o filme estourou, usou-a nas montagens da Broadway, que deu a volta ao mundo.

Foi lançado em dvd, vídeo e no cd-bônus de cantigas tradicionais que vinha com o vídeo americano, ganhador de um disco de Ouro.

A cena? Explicando o astral Hakuna Matata a Simba, Timon entoa um In the jungle, the might jungle...quando retornam a floresta.

Fim 2ª Parte - A Seguir... A redenção do Leão

Um comentário:

  1. pelamordedeus...manda logo essa REDENÇÃO!!!
    como vamos deixar essa pagina assim...

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