quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O provável 1º mega hit do rock nacional


Hoje, para a grande maioria de jovens entre 20 ou 30 e poucos anos, o nome do mineiro Ronald Cordovil “não traz lembrança alguma, nem toca nenhum sino”. Típico: "Mas... o Clodovil é cantor também??"
Mesmo para cinqüentões, é preciso apelar para seu nome artístico nos anos 60, Ronnie Cord (Não seria Ronnie Von? responderam alguns entrevistados) ou citar seu mais conhecido sucesso até essa data: a canção Rua Augusta, o provável 1º mega hit do rock nacional, lançado em pleno ano de 64, quando Augusta era a rua-ícone de glamour e diversão no auge dos anos de chumbo da repressão e ditadura brasileira.
O mundo glamoroso dos boyzinhos-paqueradores alienados e suas máquinas envenenadas, no entanto, parecia ignorar isso.
E Rua Augusta, a canção, sucesso repentino nas rádios de todo o país em 63 e 64, era sua mais completa tradução, naquele período pré-Jovem Guarda.
Ronnie Cord, o cantor e compositor radicado na capital, ainda não tinha noção disso, mas sua popularidade havia aberto o caminho para o movimento musical da Jovem Guarda passar e iluminado as figuras de Roberto e Erasmo Carlos para o público jovem (de 8 a 80) com sua música.
O filho do maestro e compositor Hervé Cordovil (cuja carreira é um capítulo à parte na MPB, por vezes ligado aos nomes de Noel Rosa e Lamartine Babo), nasceu em Manhuaçu/MG em 22 de Janeiro de 1943 e aos seis anos, já estudava violão.
Aos 16, fez teste na Copacabana Discos carioca, estreando em LP de 1960 reunindo vários outros intérpretes.
No mesmo ano, gravaria o 1º disco solo, um bolachão de 78 rpm, intérprete de clássicos norte-americanos em inglês, de onde seriam retirados singles como Oh Carol, Jailhouse Rock e Pretty Blues Eyes, além do sucesso Itsy Bitsy Tennie Yellow Polkadot Bikini, que o manteria no 1º lugar das paradas durante 6 meses e ainda lhe renderia um troféu Chico Viola, espécie de Grammy tupiniquim da época.

Aliás, no mesmo ano em que o Rei Roberto recebia o mesmo troféu pelo rock-dinamite É Proibido Fumar.
Em 1963, Ronnie Cord já era figura carimbada em todos os programas de música jovem de rádio e TV como Hoje É Dia de Rock de Jair de Taumaturgo, na Rádio Mayrink Veiga carioca, Clube do Rock de Carlos Imperial, na TV-Rio e Crush em Hi-Fi, na TV Record, de São Paulo.

Num deles, Ritmos Para Juventude (TV Paulista), foi proclamado "O Rei da juventude Brasileira" com 5.865 votos!
A versão de Itssy Bitsy, seu sucesso de 1960 ou Biquini De Bolinha Amarelinha (Tão Pequenininho), Boliche Legal e Rua Augusta – essas, duas composições originais do papito e maestro Hervé Cordovil (nessa época, um cinqüentão, quem diria...), lançados em LP pela RCA Victor, em 1964, estourariam nas paradas de todo o país, ganhariam vários troféus e claro, Rua Augusta se tornaria o primeiro hino e mega hit do rock nacional.
Única música brasileira cantando as peripécias das gangues de Johnny e Alfredo (Augusta, Angélica e Consolação, a música-cabeça de Tom Zé, é uma “outra história”, com seus significados semi-ocultos num poema...) numa das ruas mais conhecidas, originais e curtidas do país, Rua Augusta seria uma referência musical para os roqueiros do Brasil ao longo dos anos. Os Mutantes no País dos Baurets (72), que já haviam feito cover de Banho de Lua ((Tintarella di Luna) de Celly Campelo, e Raul Seixas (85), gravariam suas melhores versões “atualizadas” (que esse jornal recomenda).
Em 1965, a Festa de Arromba (nome provisório) do trio-ternura Roberto, Erasmo e Wanderléia se transformaria no programa Jovem Guarda, onde Ronnie fez algum sucesso, conquistando corações com o hit Biquíni de bolinha amarelinha e seus olhos claros.
Além de participar como contratado do programa (65 e 66), Ronnie formou com os irmãos Norman e Hervé Jr. (1950-1992) o conjunto Os Cords, gravando alguns compactos simples entre as 14 Mais vendidas (que virou griffe de coleção de sucessos, como os The Best de hoje em dia) entre a moçada que já começava a idolatrar Roberto Carlos, o amigo Tremendão e toda a sua Corte.
Com os Cords, lança o 4º grande sucesso: O Escândalo (Shame And Scandal In The Family), calypso de sucesso mundial e letra “escandalosa” sobre comportamento sexual pra lá de promíscuo de família excêntrica de Trinidad, composta pelo popular compositor Sir Lancelot para filme B de terror (I Walked with a Zombie) dos anos 40.
Visionário ou não, Ronnie sentiu que Shame & Scandal, regravada em ritmo mix de rock-ska-reggae ligeiro, por Shawn Elliot e que se tornaria um dos 1ºs sucessos de reggae comercial da Jamaica na América, tinha tudo pra estourar aqui em Pindorama.
Quem não se lembra dos versos, “Conheci, um capeta em forma de guri”, gravado por Renato e seus Blues Caps e até mesmo cometido pelo insistente Sergio Mallandro?
Seria a primeira gravação brasileira de ska/reggae?

Entre 65 e 66, ele ainda lançaria as versões Todo Meu Amor, o All My Loving dos Beatles e Dia Lindo, versão do irmão Norman para Monday, Monday dos The Mamas & The Papas, a baba de então nas paradas mundiais.
Mas é em 69 que Ronnie começa a abandonar a carreira artística, gravando apenas duas marchinhas de carnaval (Mulher e Meia e Um brinde à Lua), composições do pai Hervé, em ano que o mundo estava atento para a geração Woodstock, a guerra do Vietnã, a corrida espacial e o ativismo contra a segregação racial.

No Brasil, Roberto Carlos era o Rei inquestionável da Juventude brasileira e o regime militar estava em ponto de bala & paudearara, para variar.
Embora ainda participasse eventualmente do eterno show-caravana dos pioneiros do rock brasileiro atravessando o país e do subseqüente revival da Jovem Guarda, na década de 80, ele passaria a se dedicar apenas à profissão publicitária, contratado pelas Páginas Amarelas da LTB como Ronald Cordovil, profissional de Marketing & Vendas.
Depois disso, Silêncio.
Anônimo, longe das luzes e da passarela onde desfilava a juventude paulistana.
Longe do trecho íngreme entre a Paulista e Estados Unidos, da boate Lancaster, “o templo do twist”, do beirute no Frevinho e dos rachas 'Alameda Santos até a Estados Unidos'.

Pai de três filhos, o roqueiro de belos olhos verdes brilhantes (que não os de Ronnie Von) que teve uma loja bem sucedida de discos no Itaim, faleceu prematuramente aos 42 anos em 6 de janeiro de 1986.
Mais de duas decadas depois, o intérprete do 1º megahit do rock nacional “não traz lembrança alguma e nem toca qualquer sino” para essa moçada que desce a Rua Augusta a 60 por hora em direção aos megarockshows dos credicard halls típicos de SP.

PS: A terceira estrofe de Rua Augusta, foi cortada pela absurda censura militar de então e dizia assim:

Comigo não tem mais esse negócio de farda
Não paro o meu carro nem se for na esquina
Tirei a 130 a maior fina do guarda
Tirei o maior grosso da menina.”
(Publicado no nº Zero do Recheio & Cobertura - Jornal da Laje,
da Galeria Ouro Fino/Augusta, Março/Abril 2008, Caio Nehring)
Em Tempo: A dúvida que permanece: Os olhos de Ronnie eram azuis ou verdes? Cartas para a redação.




Nenhum comentário:

Postar um comentário